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Dos discos cinquentões à música-clique

Vitor Nuzzi

Música hoje em dia se escuta em plataformas, mas já houve um tempo, não muito distante, em que o cidadão ia até uma loja de discos adquirir um… LP. Também conhecido como long-play, que em outras eras já teve o apelido de bolacha (45 rpm, 78 rpm…) Depois, nos anos 1980, veio o CD, que, dizia-se, acabaria com o LP. Acabou tudo, mas nem tanto assim, porque o mercado dos vinis, matéria-prima dos discos antigos, segue movimentado. Conclusão: cada um escuta onde, como e quando quiser.

No tempo dos LPs, muitos discos tornaram-se símbolos de sua geração. E nunca mais pararam de girar (na vitrola?). Alguns álbuns completarão 50 anos em 2024. Agora que toda canção está ao alcance de um clique, esses sons tocarão para sempre.

Entre pop, samba, rock e MPB “clássica”, conheça (ou relembre) alguns LPs icônicos lançados há meio século.

Cartola

Angenor de Oliveira já estava com 66 anos quando saiu seu primeiro LP. Isto porque o produtor José Carlos Botezelli, o Pelão, saiu de gravadora em gravadora, praticamente implorando para que alguém bancasse a gravação. Com parceiros como Carlos Cachaça e Elton Medeiros, o álbum traz clássicos como Alvorada, Tive, sim, Acontece e O sol nascerá. E o segundo, dois anos depois, ainda teria As rosas não falam, O mundo é um moinho, Preciso me encontrar e Cordas de aço. Cartola morreu em 1980.

Elis & Tom

Documentário lançado neste ano mostra a gestação de risco e o nascimento desse disco, gravado em Los Angeles, onde o maestro morava. Quase que o disco não sai. As relações entre Tom Jobim, Elis Regina e César Camargo Mariano (marido da cantora na época, pianista e arranjador) começaram tensas. Ela ameaçou tirar o time de campo e voltar para o Brasil. Autor de todas as obras do álbum, Tom pegava no pé do pianista. Aos poucos, o clima foi amenizando e o LP saiu – e abre apenas com Águas de março. Como diz uma das faixas, foi “o que tinha de ser”.

Gita

Segundo LP gravado por Raul Seixas, este é provavelmente seu trabalho mais conhecido. Também, traz – além da faixa-título – canções como Medo da chuva, Sociedade alternativa, Trem das 7 e Loteria da Babilônia. Das 12 faixas, sete são parcerias de Raul com o futuro mago Paulo Coelho. Naquele ano de 1974, os dois chegaram a ser detidos pela polícia política. O disco anterior, Krig-ha, Bandolo, também não era brincadeira: tinha Mosca na sopa, Metamorfose ambulante, As minas do rei Salomão e Ouro de tolo, entre outras pepitas.

Loki?

“Cê tá pensando que eu sou loki, bicho?”, canta Arnaldo Baptista nesse surpreendente disco. Ele não andava bem de saúde, física e mental, após a separação dos Mutantes e da própria Rita Lee. Mesmo assim, Rita e Liminha participaram de parte das gravações. Aliás, foi a última vez que os três, mais o baterista Dinho, estiveram juntos em uma gravação, como lembrou o jornalista Carlos Calado em seu livro sobre a louca trajetória dos Mutantes. Gravado no final daquele ano, teve novamente arranjos do maestro Rogério Duprat. É um disco doído, que reflete o momento difícil do artista, com brechas para o humor. A faixa mais conhecida tem os versos “Cilibrina pra cá, cilibrina pra lá”, referência à dupla que Rita e Lucinha Turnbull haviam formado um ano antes. Loki também dá título a um ótimo documentário lançado em 2009 e dirigido por Paulo Henrique Fontenelle.

Milagre dos Peixes – Gravado ao vivo

Este disco foi gravado em 7 e 8 de maio no Teatro Municipal de São Paulo. Milton Nascimento, na plenitude, cantou acompanhado do Som Imaginário: simplesmente Luiz Alves (baixo), Robertinho Silva (bateria), Toninho Horta (guitarra), Nivaldo Ornelas (sax) e Wagner Tiso (piano/órgão), além de orquestra. É dedicado a Agostinho dos Santos e Leila Diniz, que haviam morrido em acidentes aéreos. Cheio de letras censuradas e canções como Nada será como antes, Viola violar, Cais, Clube da Esquina e San Vicente. Além de A última sessão de música, tema do show de despedida de Milton, em 2022, no estádio do Mineirão.

Novos Baianos

A banda lançou dois discos nesse ano, um que deveria se chamar Alunte e Vamos pro Mundo. Não tiveram o furor dos dois anteriores. Principalmente Acabou Chorare, que trouxe Brasil Pandeiro (versão arrebatadora de uma criação de Assis Valente nos anos 1940), Preta pretinha, Besta é tu. Mas o primeiro traz boas faixas, como Ladeira da praça, Reis da bola e Fala tamborim, além de Bebel, de João Gilberto, amizade e influência da tuma. Em seguida, Moraes Moreira partiu para carreira solo. Aos poucos, o grupo de Luiz Galvão, Moraes Moreira, Paulinho Boca de Cantor, Baby Consuelo e Pepeu Gomes foi pegando cada um a sua estrada. O último disco, Farol da Barra, é de 1978.

Secos & Molhados

Formado despretensiosamente, o grupo Secos&Molhados virou febre nacional em questão de dias. O primeiro disco, lançado em 1973, exigiu que a gravadora usasse Lps do estoque para dar conta da demanda por vinil, para prensar mais álbuns, tamanha a procura. Em alguns meses, pelo menos 1 milhão de discos foram vendidos. João Ricardo queria um intérprete “diferente”, Luhli apresentou um hippie que vendia artesanato na praia: Ney Matogrosso. Além deles, Gerson Conrad, amigo de João, e Marcelo Frias, que entrou na famosa capa das cabeças, mas não ficou no grupo. Só que quando saiu o segundo LP (gravado em junho de 1974), já estava tudo desfeito, basicamente por desentendimentos financeiros. Ney só esperou o lançamento para sair formalmente do grupo e decolar na carreira solo. Assim, esse disco nem sempre é lembrado, embora seja muito bom. Mas é compreensível: afinal, a estreia foi um furor.

Sinal Fechado

Chico Buarque andava cansado da censura, que o elegera como alvo preferencial. No ano anterior, o disco com as músicas da peça Calabar, parceria com Ruy Guerra, saiu mutilada. Nem a própria encenação chegou ao teatro, porque a censura obrigatória não compareceu aos ensaios e, portanto, não houve liberação. “Falimos”, disse Chico. Como o sinal parecia literalmente fechado, surgiu então a ideia de um disco em que ele cantasse obras de outros artistas. Entre elas, uma parceria de dois desconhecidos: Leonel Paiva e Julinho da Adelaide, Acorda Amor, que muitos batizaram de Chama o ladrão. Chico inventou o pseudônimo de Julinho da Adelaide para driblar a censura, e deu certo. Teve até entrevista publicada em jornal. Mas o truque logo foi descoberto.

A Tábua de Esmeralda

Os alquimistas estão chegando anunciava Jorge Ben logo na primeira faixa de seu álbum mais lembrado. Difícil é definir o estilo do artista, hoje Benjor. Amigo da turma da Jovem Guarda, bebeu da Bossa Nova, se aproximou dos tropicalistas, manteve as influências africanas, mas apareceu fazendo samba-rock. Este já é o 11º disco do compositor carioca, desde Samba Esquema Novo (1963), e entrou em lista da revista Rolling Stone como um dos 100 principais álbuns da MPB.

Tudo foi feito pelo sol

Os Mutantes originais, surgidos nos anos 1960, já tinham se desfeito. Arnaldo Baptista foi para um lado, Rita Lee para outro (Cilibrinas do Éden, Tutti-Frutti), assim como outros integrantes da banda. A esta altura, já tinham sido montadas seis formações, lideradas por Sérgio Dias, irmão de Arnaldo. Este acabou sendo o penúltimo disco gravado, e segundo as informações da época teve boa vendagem. No mesmo ano, Rita lançou seu primeiro disco com o grupo Tutti-Frutti (Atrás do porto tem uma cidade). Ja nos anos 2000, Sérgio conseguiu arregimentar Arnaldo para mais uma retomada mutante, com Zélia Duncan nos vocais.

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