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O mestre, o discípulo e um novo caminho para a direita em 2026

Na primeira semana de junho de 2024, quando o Conselho de Ética da Câmara julgava o processo disciplinar contra o governista André Janones (Avante/MG), um influenciador digital e ex-coach circulou pela Casa com a mesma desenvoltura de um parlamentar “popstar”.

Cercado de “seguidores”, Pablo Marçal tomou assento no colegiado, participou da sessão e bateu boca com o relator, seu futuro adversário na disputa pela Prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos (PSOL/SP). Era uma prévia do embate que está marcando a eleição paulistana e que cria um clima semelhante ao de 2018, quando a inspiração de Marçal na política, Jair Bolsonaro, venceu as eleições presidenciais.

Nos dias em que esteve na Câmara, transitou pelos corredores cercado de apoiadores, todos registrando cada passo de Marçal com seus celulares. Como turistas que procuram pela Monalisa no Museu do Louvre, os admiradores do ex-coach recorriam aos servidores e credenciados para saber em qual plenário Marçal estava. Era a chance de ver de perto o influencer.

A cena lembrou os primórdios do então deputado Jair Bolsonaro, quando o atual líder da direita no País aprendia a lidar com as redes sociais para amplificar seus posicionamentos políticos e, principalmente, divulgar suas declarações polêmicas e discussões em plenário. Bolsonaro caminhava pelo Congresso acompanhado do filho 03, Eduardo, que tratava de filmá-lo em todos os momentos. Nos últimos anos de Câmara, era acompanhado por apoiadores que puxavam o coro do “Mito”, quando não faziam fila em seu gabinete para conversar e tirar foto com a velha/nova promessa da política brasileira.

O bolsonarismo  criou tração sem alarde na Câmara. Jair Bolsonaro era tratado como baixo clero pelos pares, o “encrenqueiro” da Casa, a personagem folclórica que nunca passaria de mais um parlamentar da bancada do Rio de Janeiro. Ninguém se deu conta que os embates com Jean Wyllys, os desaforos a Maria do Rosário e a defesa de torturador na sessão de impeachment de Dilma Rousseff tinham ressonância na sociedade.

Jornais também não se deram conta das consequências que as reportagens relatando os últimos tumultos de Bolsonaro geravam. O que importava era o “clique”, a audiência. Expor a figura do deputado em novos episódios polêmicos acabou ajudando a estratégia de nacionalizar seu nome.

Na ocasião, os grandes partidos não deram legenda para o pré-candidato porque não tinham noção que ali surgia uma figura capaz de despertar uma direita adormecida. Ali nascia o político alijado do sistema, o homem simples que fala o que as pessoas pensam e até então tinham vergonha de externar. Desqualificar com palavras de baixo calão os adversários, provocar de forma infantil o desafeto, insinuar acusações sem provas e atacar jornalistas quando se sentir acuado (e de quebra não responder ao que foi questionado) faz parte da “receita de sucesso” de Bolsonaro que Marçal procura seguir.

Um mundo na rede em comum – Se Bolsonaro aprendeu a explorar o universo sem limites das redes sociais, Pablo Marçal tem a vantagem de ter saído do mundo digital.

Enquanto o ex-presidente da República é a figura verborrágica, Marçal é o sujeito com linguagem messiânica e que prosperou na vida. Ambos se vendem como antissistema, homens de bem, combatentes da corrupção, cristãos, salvadores da pátria. A diferença é que Bolsonaro se movimenta nas redes sociais sob a influência de Carlos, o filho 02. Marçal, no entanto, dá um passo além: domina o jogo. Tanto que resumiu, em uma das entrevistas recentes, a dificuldade dos jornalistas em lidar com ele: respondeu  – e com razão – que era primeira vez que a imprensa lidava com uma pessoa que efetivamente entende de redes sociais.

Marçal nasceu nas redes contando feitos difíceis de acreditar. Aprendeu a nadar em uma noite e na outra já estava “dando aula”, chegou em quinto lugar na natação em sua primeira prova de triatlo, participou de um ultramen de 414 km e, num universo de 14 participantes, terminou em segundo entre os quatro que concluíram a prova. “Eu entendo um pouquinho do cérebro”, costuma dizer. Também se comparou a Ayrton Senna, disse que diferentemente do ídolo do automobilismo, ele é bilionário e escreveu 45 livros, Senna não era.

A partir daí, Marçal passou a arrastar admiradores por onde passava, a exemplo do que Bolsonaro já fazia nos últimos anos de Câmara dos Deputados. O ex-deputado passou a visitar os Estados para testar sua popularidade e, ao se deparar com aeroportos lotados para recepcioná-lo, se sentia motivado a seguir com o foco na presidência da República.  

Se Marçal espanta pelos feitos inacreditáveis, Bolsonaro despertou as atenções com uma lista farta de frases espantosas, como “Vamos fuzilar a petralhada aqui do Acre”, “Eu jamais ia estuprar você porque você não merece”, ambas de 2018; “Foram quatro homens. A quinta eu dei uma fraquejada, e veio uma mulher” e “Fui num quilombola [sic] em Eldorado Paulista. O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada! Acho que nem para procriadores servem mais”, as duas de 2017. Pablo Marçal também consegue ser ferino – como foi com Tabata Amaral ao dizer que a adversária “não aguenta o tranco, por isso fica nessa choração” -, mas costuma ser menos impulsivo e mais inteligente na arte da provocação.

Tarcísio e Bolsonaro ameaçados – Marçal pode ser prefeito da maior cidade da América do Sul pelo PRTB, partido nanico que, assim como o PSL em 2018 com Bolsonaro, topou dar legenda para um candidato desacreditado pelas demais siglas. Também como Bolsonaro na ocasião, o candidato a prefeito de São Paulo só pode contar com as redes sociais para avançar nas pesquisas de intenção de voto. E vem tendo sucesso na empreitada.

O crescimento do candidato surpreende por agradar ao eleitor de direita mesmo não sendo o escolhido de Bolsonaro para disputar o cargo. Isso porque Marçal representa, aos olhos dos eleitores de Bolsonaro, mais bolsonarista que Ricardo Nunes. O atual prefeito, do MDB, que tem o oficialmente o apoio do ex-presidente da República, custou a perder a vergonha de assumi-lo no palanque e não consegue ser convincente de que, num novo mandato, representará integralmente os valores bolsonaristas.

Com Bolsonaro inelegível em 2026, Marçal vê a oportunidade  de pavimentação de seu caminho para disputar as próximas eleições presidenciais. Como o comportamento do eleitor indica que seu voto não tem dono, o ex-coach é visto como versão mais fiel ao bolsonarismo que Tarcísio de Freitas. O governador de São Paulo vinha, até então, sendo apontado como sucessor dos votos de Bolsonaro. Apesar de ter entrado na política pelas mãos de Bolsonaro, Tarcísio já deu sinais de que não pertence ao bloco da direita radical e passa longe do bolsonarismo raiz.

Ao se dar conta do perigo do crescimento de Pablo Marçal fora do núcleo político de Bolsonaro, os filhos do ex-presidente foram a campo tentar desqualificá-lo, mas o movimento não deu certo. Sem saber os próximos passos de Marçal e acuados pela repercussão de sua campanha, restou aos filhos do ex-presidente o recuo.

No entanto, uma faixa estendida na Avenida Paulista no último domingo, durante manifestação contra o STF, é o prenúncio do momento em que o discípulo supera o mestre. “Bolsonaro parou, Marçal começou. Pablo Marçal presidente do Brasil”, dizia a faixa dos apoiadores do ex-coach.

Ganhando ou perdendo a Prefeitura de São Paulo, Marçal será o protagonista da batalha no coração da direita nos próximos dois anos no Brasil. Se o adversário será o próprio mestre, só o tempo vai dizer.

Equipe BAF – Direto de Brasília

Foto: Reprodução

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