A Usina Hidrelétrica Itaipu Binacional está devendo para os consumidores brasileiros, mas não é por culpa da usina, mas sim por uma confusão política criada pelo Ministério de Minas e Energia.
O governo federal deixou de entregar aos consumidores de energia residenciais e rurais de pequeno porte do Brasil valores que eles teriam direito a receber, como desconto em suas contas de luz no mês de agosto, que ainda não foi pago. O montante chega a R$1,2 bilhão e se trata do chamado Bônus de Itaipu.
Anualmente, de acordo com a Lei nº 10.438, de 2002, caso a usina hidrelétrica binacional obtenha resultados positivos com a venda de sua energia, parte desse valor deve ser distribuído aos consumidores brasileiros de energia que tiveram ao menos um mês, no ano anterior, consumo faturado mensal inferior a 350 KWh.
Tudo transcorria com normalidade para o cumprimento da Lei, até maio deste ano. A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) se preparava para que o pagamento fosse feito conforme a lei, em agosto. No dia 6 de maio, a agência publicou o Despacho nº 1.405/2024, que estabeleceu o valor preliminar a ser destinado ao bônus de Itaipu. Pelas contas da Aneel com base na energia gerada e vendida por Itaipu, o saldo anual em 2023 da Conta de Comercialização de Energia Elétrica de Itaipu (Conta de Itaipu) havia sido positivo. A Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar), responsável pela gestão dessa conta, informou a Aneel que o saldo de 2023 é de cerca de R$ 399 milhões e que houve ainda devolução por parte das distribuidoras de energia elétrica de aproximadamente R$ 841 milhões, de valores utilizados pelas distribuidoras em 2021 e 2022 para reduzir as tarifas naqueles anos, mas que havia retornado à conta. Com isso, o valor preliminar destinado ao bônus de Itaipu em 2024 é de R$ 1,2 bilhão.
Rio Grande do Sul ou Brasil todo?
Para se ter uma ideia, a última distribuição do bônus de Itaipu havia ocorrido em 2023, quando as unidades consumidoras beneficiadas pela política resultou em desconto de R$ 4,98 para cada unidade, em média. De fato, este é um valor que pode passar sem ser notado na conta de luz.
A informação de que havia um grande volume de recursos disponíveis e que iriam ao consumidor (e que nesse repasse o valor poderia passar despercebido na conta de luz de muitos beneficiários), gerou alguma comoção dentro do MME e entre alguns políticos.
Naquelas primeiras semanas de maio, o Rio Grande do Sul passava por sua maior catástrofe climática recente, em decorrência das chuvas no Estado, que destruíram casas, estradas, indústrias, áreas públicas e também redes de água e luz. O governo federal pretendia mostrar que estava disposto a ajudar na reconstrução do Estado.
Logo após a divulgação pela Aneel do saldo a ser pago, alguns parlamentares e técnicos do MME passaram a defender que esse valor fosse concentrado para ações no Rio Grande do Sul, mudando seu destino segundo a lei.
Começava aí uma longa jornada de idas e vindas de uma história que nunca aconteceu, não deve mais ocorrer, mas que ainda está tirando dos consumidores valores a que eles têm direito de receber.
Impacto na inflação e no mercado financeiro
No mercado financeiro, a percepção era de que a alteração de destinar valores a todo o Brasil para mandar somente ao Rio Grande do Sul teria impactos na conta de inflação, o que passou a preocupar operadores.
Dentro do MME, pensou-se em uma forma de alterar a Lei nº 10.438, de 2002, para permitir a mudança do destino do recurso. Uma alteração com a celeridade necessária só conseguiria ser feita por Medida Provisória (MP).
Na semana seguinte, ainda no começo de maio, uma minuta de MP circulou entre os órgãos técnicos. A Aneel, que tinha de dar o comando para as distribuidoras de eletricidade para que dessem o desconto, interrompeu a ordem para aguardar que o MME, a Casa Civil e a Presidência da República editassem e publicassem a MP. Porém, os dias foram se passando sem que a MP fosse publicada.
Havia dúvida se o Congresso tinha espaço político para três MPs de energia (já que o governo havia editado outras duas MPs, uma sobre prorrogação de benefícios para usinas eólicas e outra para resolver a conta de luz do Amazonas) e ainda se havia o risco de que uma nova MP setorial fosse usada para carregar os chamados Jabutis, temas sem relação direta com a MP, mas que grupos de interesse querem ver aprovados no Congresso.
E o tempo passou… Foram dois meses, maio e junho, nos quais o mercado financeiro esteve preocupado com o tema. No MME, a informação estava mantida de que havia vontade política para que o Bônus de Itaipu fosse totalmente destinado ao Rio Grande do Sul. Porém, faltava aquele aval mais importante: o do ministro Alexandre Silveira.
Para a Aneel, o prazo para realizar o pagamento em agosto ia ficando curto. A operacionalização desse pagamento demanda quase um mês de antecedência. No dia 25 de junho, sem ter informações, a agência teve de tomar uma decisão sozinha para evitar problemas com a demora para cumprir a lei e publicou despacho que suspendia a instrução do processo do bônus, de modo a dar tempo para as distribuidoras reverem valores informados. Era apenas uma cambalhota para ganhar tempo, enquanto MME ainda pensava politicamente se deveria ou não mandar o dinheiro para os gaúchos.
Mas, com o passar do tempo – e com medidas como destinação de recursos de eficiência energética aos gaúchos -, ia perdendo sentido o envio de recursos do bônus para todo o Brasil. No final de julho, o MME começava a “jogar a toalha” sobre a publicação de uma MP para alterar o bônus. Técnicos passaram a falar que o assunto estava esquecido. E a Aneel ficou sem respostas.
Pelo lado do MME, toda a confusão criada pode ser esquecida como se tivesse sido somente um grande devaneio coletivo, que nunca existiu – ou que não passou de uma minuta de MP circulando entre os agentes. Para a Aneel, um problema foi criado, e o bônus de Itaipu segue sem ser publicado.
Procurada, a Aneel não se pronunciou formalmente sobre o assunto até o fechamento deste texto.
Equipe BAF – Direto de São Paulo.
Foto: Rubens Fraulini, Itaipu Binacional
Essa reportagem é uma produção em parceria com The Brazilian Report. Leia a versão em inglês em: