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Endereço imperdível: Pizzaria Castelões

Não há como definir o lugar em que é feita a melhor das pizzas, mas este endereço do bairro paulistano do Brás está na briga

Edson Rossi

Não se pode falar em pizza no Brasil, em especial na cidade de São Paulo, onde esse prato é uma instituição, sem falar da Castelões. Cantina Pizzaria Castelões. Ela é lendária. É centenária. É obrigatória. E o que mais importa: suas redondas são fantásticas. Há vários indícios para cravar isso. Há um lote de argumentos. Há baldes de dados (e metadados) a favor dessa constatação. Ainda assim, sobrará espaço para a oposição, para a controvérsia e para os detratores. Tudo bem. Ninguém faz 100 anos imune à inveja. Nem sem dominar seu ofício. “Aqui, respeitamos a pizza”, afirma – e resume – a seus clientes Fabio Donato, atual comandante-em-chefe da operação e também herdeiro de décadas da tradição.

Ir até o Brás, sentar-se numa mesa da Castelões e pedir sua pizza é um mergulho único. Porque um século do fazer-pizza cairá em seu prato. Será como estar num santuário. Não importa a sua fé, o que vai imperar será o respeito. O seu. O meu. O deles. Vai imperar um ecumenismo gastronômico singular. De um lugar que nasceu em 1924. Naquele ano, a cidade de São Paulo tinha 600 mil habitantes, sendo 150 mil deles italianos. Isso mesmo. De cada quatro pessoas, uma vinha da Itália. A língua era popular na cidade. A comida, ainda mais.

Foi assim que um desses imigrantes, Ettore Siniscalchi, abriu um lugar de comer & beber. Não chegava a ser um bar, mas ainda não havia virado a cantina & pizzaria que a consagrou. A história mais narrada é que o endereço de Siniscalchi – aliás, o mesmo até hoje (rua Jairo Gois, 126, Brás) – atraía muita gente, em especial a turma que jogava futebol em campos amadores do bairro. Seu Ettore fazia frango alho e óleo, servia antepastos, provolone, azeitonas, vinhos, tudo importado. O endereço pegou e os pequenos comes & bebes logo ganharam a companhia dos pratos e da pizza. Isso foi lá pelos anos 1930. E durante décadas a Castelões manteve o cardápio duplo: pratos & pizzas. Só recentemente a parte das massas saiu de cena, tendo hoje a pizza no papel de solista.

E que solista! Parte indefectível da história de 100 anos da Castelões é a pizza. E se a família Siniscalchi está no começo da jornada, é a família Donato a responsável pela casa ter se tornado o que é. Vicente Donato começou a trabalhar como garçom para Siniscalchi, de quem depois se tornou amigo. Nos anos 40, Vicente virou sócio. Pouco depois, o único dono. Ele sabia tudo do ‘fazer-pizza’ – a escolha dos ingredientes, o jeito de juntá-los, a arte de lidar com o forno. E passou a técnica (e os truques) a João Donato Neto, seu filho. João esteve à frente da pizzaria mítica até morrer, no fim de setembro de 2014, pouco antes de fazer 78 anos. “Seu Ettore era mais velho que meu pai [Vicente Donato] e o convidou para vir trabalhar como garçom quando abriu o estabelecimento”, afirma João Donato na tese Sabores e Memórias: Cozinha Italiana e Construção Identitária em São Paulo (2009, Janine Helfst Leicht Collaço).

João declarou que ajudava o pai com as pizzas “desde moleque.” E isso se repete, porque exatamente o mesmo aconteceu com Fabio Donato (51 anos), filho de João, neto de Vicente. Ele tinha 4 anos quando começou a ser iniciado nas artes do forno centenário. A brigada já teve uma dúzia de funcionários e a Castelões abria todos os dias, no almoço e no jantar. Mas a pandemia quase deu fim à história. Hoje, ela abre de terça a domingo das 18h às 23h30. A resiliência para chegar aos 100 anos está na perseverança, afirma Fabio. Além dele, a casa é tocada por dois garçons (que estão por ali há quatro décadas) e pelo gerente (mais de 20 anos por lá). Por todos esses personagens é que passar pelo pórtico estreito da rua Jairo Gois será um mergulho no tempo e na história. As toalhas xadrezes. Os lindos ventiladores de teto. A galeria de fotos. O piso. As linguiças penduradas do teto. O neon interno em verde e vermelho com a inscrição Cantina Piazzaria Castelões. O letreiro na fachada, em que faltam letras, patrocinado por vinhos Slaviero…

Tudo é uma experiência em direção ao passado. Uma história que tem a pizza como maestra. E são poucas opções. Por décadas, não passava de meia dúzia. Hoje já somam 18 – mas graças a Deus sem nenhuma invencionice. A última a integrar a lista é a Portuguesa, que entrou no ano 2000, um pouco a contragosto de Fabio Donato. No entanto, a estrela maior e mais pedida é a que leva o nome Castelões. Ela é tão icônica que passou a ser feita por pizzarias de outros lugares – a premiada rede Bráz (com sete unidades em São Paulo, além de endereços no Rio de Janeiro e em Campinas) é uma homenagem ao bairro em que está a casa original paulistana e tem sua versão no cardápio. Lá na Castelões de 1924, a pizza tem linguiças divinas, queijo na medida, molho de tomate único. Três ingredientes. Punto e basta! Ou como sugere a frase grafada numa plaquinha que adoro, que fica junto às prateleiras, à esquerda de quem entra: “Ccà nisciuno è fesso”. Traduzindo do napolitano, “aqui ninguém é bobo”. Não mesmo. Só é quem não vai lá.

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